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domingo, 27 de dezembro de 2009

Crítica Teatral- Stella Miranda

Um biscoito fino da dramaturgia

Aos 45 anos, o dramaturgo, roteirista e diretor americano Neil LaBute é um dos mais aclamados autores contemporâneos. Com texto cáustico e instigante, assumidamente influenciado por Harold Pinter e David Mamet, LaBute é mestre das relações afetivas imponderáveis e frias. Alias, gélidas. Seus personagens transitam entre o ceticismo e o cinismo da condição humana. Nem heróis nem vilões, apenas pessoas comuns que se comportam terrivelmente mal. E o que é pior: você se reconhece e se identifica com elas.
“A forma das coisas”, escrito originalmente para o teatro, foi posteriormente adaptado para o cinema pelo próprio autor, e no Brasil recebeu o infeliz título de “Arte, amor e ilusão”. Um fracasso.
Mas que grata surpresa assistir à montagem teatral de Guilherme Leme. No palco, a peça retorna ao seu habitat original, e os personagens pasteurizados do cinema assumem uma vitalidade assustadoramente realista.
O tema é eterno: Amor x Arte. A trama gira em torna da história, aparentemente banal, de um jovem nerd que se apaixona por uma sedutora estudante de arte. Mas o desfecho inesperado é absolutamente genial.
Qual um Pigmalião moderno, a jovem Eva (Evelyn) vai tentar moldar o inseguro Adão (Adam), mas a evolução do rapaz causará mal-estar entre os amigos e trará inesperadas consequências para todos.

Espetáculo tem ficha técnica irrepreensível

O sagaz tradutor Marcos Ribas de Faria apresentou o texto para um jovem casal de atores, Pedro Osório e Carol Portes, que, seduzido pelo autor, decidiu produzir o espetáculo. Essa produção jovem e astuta é um dos méritos da questão. Convocaram uma ficha técnica que se mostrou irreprochável: direção inteligente de Guilherme Leme, com auxílio luxuoso de Pedro Neschling; iluminação hors-concours de Maneco Quinderé; cenários imaculados e criativos de Aurora dos Campos; e figurinos como sempre impecáveis de Sônia Soares e Tatiana Brescia. “A forma das coisas” é um espetáculo ágil e preciso.
O quarteto de atores André Cursino, Carol Portes, Karla Dalvi e Pedro Osório, com destaque para o último, esforça-se para entrar em sintonia com a densidade do autor. O espetáculo, na estreia, empolgou a plateia pelo impacto e contundência da matéria: o significado da arte. Embalado por uma trilha sonora cool, o LaBute no mezanino do Espaço Sesc é biscoito fino.
Uma curiosidade: no derradeiro instante, não se escuta o que é sussurrado no ouvido do amante. O segredo velado. Esse recurso dramático é idêntico ao usado por outra incensada bad girl do cinema americano, Sofia Copolla, em “Encontros e desencontros”. As fronteiras foram rompidas, mas ainda sim, restará o mistério. E no mistério estaremos a salvo. Sofia e LaBute têm a mesma idade e lançaram seus respectivos roteiros no mesmo ano de 2003.
Um ressalva: como atriz, diretora, e agora critica(temporária e de curtíssima duração), estou na fronteira. No fio da navalha. Uma colega falando de colegas. É um lugar perigoso, quase uma “cadeira no penhasco”. E, devo admitir, meu telhado é de vidro, de cristal finíssimo. Mas repito, quero dialogar em vez de criticar. Viva Teatro. Rio Feliz.

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